Poemas de Natal - uma coletânea da Revista Unamuno
Igor Barbosa, Roberto Neves, João Luciano, Pedro de Almendra, João Filho e Alexandre Bacelar Marques
Olá, caro leitor. Gostaríamos de desejá-lo um feliz natal e um próspero ano novo!
Somos muito felizes por tê-lo conosco para mais um ano de muita cultura, poesia e literatura.
Segue, abaixo, uma coletânea de poemas de Natal, escolhidos meticulosamente por nossa equipe, para tornar essa data ainda mais especial para você.
Atenciosamente,
Unamuno Revista de Cultura.
PRESÉPIO - João Filho
A estrela se avizinha
e o mundo vira um vértice
pra descida do Eterno,
o tempo se recolhe.
Anjos em ladainha
transluzem semibreves
São José é o silêncio,
a Virgem é uma prece,
o boi é pensamento,
o carneiro subscreve,
o Menino – todos sabem:
tem nas Mãos o universo.
por João Filho
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Soneto de Natal - Pedro de Almendra
Não te vás enganar co essa criança
que agora dorme fundo entre os carinhos
da palha avermelhada (sangue e espinho)
e do amor de sua mãe que, numa manta
suave, lhe vai rápido abrigando.
Não te envolvas tranquilo nesse sonho,
porque se a melodia do seu ronco
for súbito rompida, e se em pranto
ele desperta e atrita suas gengivas –
é o mundo que esperneia em suas braçadas.
Olhai-o tremer, lede seu suspiro,
em cada gesto há verbo e substantivo
profecia entre lágrima e golfada:
“não vim trazer a paz, eu trouxe a espada.”
por Pedro de Almendra
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Lucas 2:8-11 - Roberto Neves
Foi por detrás dos montes: um rumor
de música distante, e um clarão –
Como se a noite fosse dia e não
outra noite na vida de um pastor.
E então, de novo o escuro e o torpor,
até chegar gritando meu irmão:
Desceram mil anjos do céu, João!
Nasceu o Cristo, nosso salvador!
Mas para nós? Que pecamos sempre e tanto?
O Cristo? Por que hoje? Por que aqui?
E como a salvação sem merecê-la?
Não tenhas medo, irmão, seca teu pranto.
E vamos à cidade de Davi,
é para todos a luz daquela estrela!
por Roberto Neves
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Glória em Cara de Miséria - João F. Luciano
Vede o menino, pobre e empalhado,
na sombra de um lugar empobrecido,
Rei que pra reis foi nobre e esquecido,
Senhor que padeceu, foi sepultado
Notai como de um núcleo irradia,
do quadro dos viveres, da vida Sua,
a vida atribulada, minha e tua
que logo se apressa em tê-Lo guia
Assim O lembram quadros e gravuras,
O têm por molde mil santos e santas,
na cruz, no mar, no horto e em tantas
chagas fundas. Feridas sangram puras!
Sois, no berço, o sustento da matéria
Inda me aquece o molde que criaste
Tiveste, na cruz, dor que almejaste
E no fim Glória em cara de miséria!
por João F. Luciano
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Miserere Nobis - Igor Barbosa
Vamos, Jesus, agora ver as feras mansas
do jardim zoológico que há no meu peito;
vamos ver, pelas grades, o espaço estreito
em que elas se amontoam; vejamos as danças
do que é corpo, e que eu menos que elas aceito,
esquecendo que o corpo sempre é uma criança.
E quando elas vierem, Jesus, mais ferozes,
querendo me levar pela mão distraída,
ganhar-me pelo ventre (sem ter dentro vida),
tomar-me pelos olhos com a cor das vozes,
não me deixes sozinho, e a campanha é perdida:
enche-me as mãos de ti, e a minha boca cose.
Vamos, Jesus, agora – que hoje é feriado,
subir uma montanha: a dos meus pensamentos,
montanha feita de tesouros e excrementos,
morro de lama dura e ventos afiados;
subamos metros mil, mil e cem, e duzentos,
a ver se Cristo é mesmo Rei no Corcovado.
Vejamos se, levando-te eu pelas mãos,
reconheçam os homens, vendo-nos passar,
(e como reconhecem isso sem pasmar?)
que és o filho da Senhora Conceição.
Vejamos, e eu procurarei, talvez, lembrar,
se em mim há um livro da primeira comunhão.
Ó meu Jesus, que nem posso chamar de meu,
Jesus que maiorzinho não deixei ficar,
Jesus que eu agredi com fogo, terra e ar,
Jesus, que no conforto o meu peito esqueceu:
Jesus, que chamo apenas para ignorar,
sabes mais coisas que nós todos: Que sei eu?
“Nada mudou! Como está forte! Boas cores!”
Eu ouço em eco; e adiante segue o coro,
mas quando enfim chega a minha vez de pôr o
coração ao dispor da morte e das dores
e não largar a tua mão, rejeito o soro
antiofídico que dás. Amém, Senhores!
Ó meu Jesus, se eu te deixar ficar assim
bem maiorzinho, que eu não cresça em proporção:
hás de caber melhor num velho coração
que tenha se encolhido; e eu quero, para mim,
ter a coragem de pedir-te sempre a mão
e de negar-me, te dizendo sempre “sim”!
por Igor Barbosa
Romance do Primeiro Domingo do Advento - Alexandre Bacelar Marques
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Devia Tomás estar
com esta: trava-línguas
há horas embargando
o fluxo do pensamento,
pois rápido encontrou,
oculta pelo banco
da frente do automóvel,
uma peça de metal
do ar-condicionado
(era uma serpentina e,
Deus sabe por quê,
pusera-a eu ali.)
Era domingo, vínhamos
da missa de Advento.
Teresina, em dezembro.
“Mãe, sabes o que é isso?”,
abrindo grandes olhos.
Da frente, entreolhamo-nos.
“Isto é um trava-línguas”.
Rimos, rimos, rimos.
Rimos como se fôramos
uma cena involuntária
na memória de um anjo.
“Tomás, Tomás, Tomás…”
Então a Mãe: “trava-línguas
é a aranha-arranha-a-rã,
trazei-três-pratos-de-trigo
é ninho de mafagafos”.
Não quis Tomás porém
ouvir que pratos, tigres
mais travassem línguas
que aquela serpentina
de bruto cobre fulvo
ali em suas mãos.
Seu peito refolhou-se.
Chorou com seu fracasso
em fazer pousar o termo
na exata realidade.
Mas não por muito tempo.
Logo viu que seu irmão
ao lado agonizava,
“Três patos de trigues…
arranha arranha arranha…”,
“Mamãe mamãe mamãe!”
“O que é?” E triunfal:“Já sei!
O Pedro é um trava-línguas!”
E eu, olhando sua vitória
no reflexo do espelho:
“Tomás, Tomás, Tomás…”
Não é isto um trava-línguas.
Diga: “Mãe, Pedro é burro” —
ou tapado ou obtuso.
Mas não que é um trava-línguas.
A mãe ralhou comigo.
E rimos, rimos, rimos
como se estivéssemos
ali por providência,
ali como um clarão
na história do universo.
E de nós se ocupasse
talvez até um anjo
criado de repente,
protetor designado
da chuvosa estação
neste sertão de Deus.
De nada disso quer
Tomás ouvir falar.
Momentos, Universo,
a própria Providência,
anjos, no que lhe concerne,
são palha, drama vão
vãs especulações,
não-palavras.
Tomás só quer chorar de novo.
Alexandre Bacelar